Um Sublime Peregrino

"É indispensável manter o Espiritismo, qual foi entregue pelos Mensageiros Divinos a Allan Kardec, sem compromissos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios." Bezerra de Menezes (Mensagem "Unificação", psicografia de Francisco Cândido Xavier - Reformador, agosto 2001)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O LIVRO-LIBELO


O distinto causídico não ocultava a ojeriza que experimentava pela Doutrina Espírita. Fosse onde fosse, se a conversa versasse sobre algum tema de Espiritismo, escorregava deliberadamente para o sarcasmo. "Essa história de Espiritismo só num tratado psiquiátrico" - dizia, irônico -, e destilava pequenas difamações como quem debulhava espigas de brasas. Tão azedo adversário se fizera, que aproveitou o largo período de férias, em fazenda silenciosa, para escrever um livro contra os postulados espíritas. Livro-acusação. Livro de ódio. Nos serões caseiros, costumava ler para os amigos esse ou aquele trecho, em que médiuns eram denunciados e apupados de maneira cruel. E riam-se, ele e os companheiros, entre um e outro gole de uísque, salpicando a lama esfogueante em forma de letras.

O distinto advogado assumia as primeiras responsabilidades para enviar o volume à editora, quando sobreveio o inesperado.

Dirigia carro elegante, nas proximidades de um grupo escolar, quando atarantado pequeno, a correr desorientado, lhe cai sob as rodas.

Um passarinho sob um trator não morreria mais depressa.

Tumulto. Autoridades em cena.

Ele mesmo, suportando os impropérios do povo, apanha o cadáver minúsculo e, de coração agoniado, busca a residência da vítima.

Em sã consciência não é culpado, mas tem o coração alanceado de intensa dor.

Chorando copiosamente, entrega o menino morto aos pais em pranto, que o recebem sem a mínima queixa.

O pai acaricia os cabelos da criança, em silêncio, e a mãezinha ora em lágrimas.

Deseja ser humilhado, acusado, ferido. Isso, decerto, lhe diminuiria a tensão. Encontra ali, porém, apenas a resignação e a serenidade.

O advogado consulta então a família sobre a instauração do processo de indenização, mas o chefe da família responde, firme:

- Nada disso. O doutor não teve culpa alguma. Ninguém faria isso por querer... Os desígnios de Deus foram cumpridos...

E a mãe do menino, enxugando o rosto, acrescenta:

- Choramos, como é natural, mas não desejamos indenização alguma. Deus sabe o que faz.

O causídico, de olhos vermelhos, considerou:

- Então...

Mas o dono da casa cortou-lhe a palavra, acentuando:

- Doutor, não se preocupe... Compreendemos perfeitamente que o senhor não tem culpa... o senhor está sofrendo tanto quanto nós... Ore conosco, a fim de acalmar-se...

Admirando-lhes a paciência cristã, o causídico indagou, vacilante:

- Que religião professam?

- Nós somos espíritas - informou o pai da pequena vítima.

O advogado baixou a cabeça e ali permaneceu, sensibilizado e prestimoso, até à realização dos funerais.

E à noite, em casa, de coração opresso e transformado, fechou-se no quarto e rasgou o livro-libelo que havia escrito.

Hilário Silva (Waldo Vieira)

(De "A vida escreve", de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, pelo Espírito Hilário Silva)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Um Sublime Peregrino

Um Sublime Peregrino